“Inspiração” será das palavras com conotação positiva a mais cruel, uma vez que sujeita os escritores aos seus caprichos, elevando-nos os espíritos ou arrasando-nos com a sua ausência, como uma droga.
Tal como os agricultores indianos dependem da monção, precisando que ela chegue exactamente na altura certa, uma vez que tanto o atraso como a antecipação significa fome e miséria, nós escritores dependemos dos favoráveis ventos da criatividade e tal como eles, por mais que tentemos convencermos do contrário, estamos à mercê de algo que foge ao nosso controlo. Por mais libações que eles façam e por mais que nós martelemos nas teclas, aceitando o desafio da temível “página em branco” a verdade é que a monção e a inspiração “chegam quando chegam, partem quando parte” (pelo que o meu pai me conta, era algo que se dizia sobre os comboios em Espanha há coisa de 50 anos).
Todavia, este post não foi criado a pensar nos momentos em que a Musa (com uma mala em cada mãos) nos diz: “adeusinho, até qualquer dia, vemo-nos por aí”, mas antes sobre uma pergunta que nos costuma assolar nessas horríveis alturas: “para quê?” Porque nos havemos de dar ao trabalho de escrever?
Quando a inspiração falha ou perante as longas horas de sangue, suar e lágrimas no teclado, com poucas ou nenhumas recompensas, todo o escritor é levado a reflectir sobre a validade do seu esforço e mesmo a ponderar “arrumar as botas”.
Se é animador pensar que “o que não nos mata torna-nos mais fortes”, também é importante lembra que nem todos alcançam a segunda categoria. Acredito que esse inimigo tenha subjugado muitos escritores e, quem sabe até, privado a humanidade de algumas das suas melhores obras.
“Porquê escrever? Porquê continuar a jorrar a alma e pensamentos numa folha em branco?” No meu caso, sou muito sincero, faço-o por puro egoísmo. Faço-o por mim, porque me dá prazer, mesmo nos momentos mais difíceis, quando arranjar as palavras certas parece tão simples como sangrar uma rocha.
Não me interpretem mal, já tive mais do que a minha cota parte de dúvidas. Houve mesmo um período em que deixei de escrever criativamente, não por falta de tempo, mas por pretender abandonar a prática de uma vez por todas. Foi pouco antes de entrar na faculdade, após ter entrado em contacto com o trabalho de uma autora cujo talento ainda hoje me impressiona. Tão envergonhado fiquei pela minha clara inferioridade perante as capacidades desta escritora que abandonei o manuscrito que estava a desenvolver e achei que mais valia dedicar-me a outra coisa qualquer. Afinal, com gente como aquela a escrever quem era eu, um gaiato com alguma imaginação, para pegar na proverbial pena? Durante quatro anos apenas escrevi apontamentos e listas de compras (ambos sem grande talento, diga-se de passagem).
O que me fez regressar? Embora tenha melhorado um pouco como escritor, continuou a não merecer incluir-me na mesma categoria da autora cujas palavras me fizeram desistir (embora hoje saiba que também há muitos outros escritores que não o merecem), todavia, simplesmente não aguentei mais continuar “no banco”. Mesmo durante esses quatro anos, as histórias continuaram a insistir em nascer, pressionando as paredes do meu crânio em busca da luz do dia. Verdade que muitas delas não mereciam esse privilégio, mas o seu peso colectivo acabou por levar-me a ceder. Incapaz de manter-me longe do caminho, regressei, aceitando que ainda tenho muito para aprender e que essa jornada provavelmente irá durar toda uma vida.
Será que algum dia voltarei a desistir? Talvez, mas duvido que esse abandono seja permanente. Por patético que seja, julgo que continuarei a insistir na escrita até ao meu leio de morte, mesmo que me torne um velho amargurado, com nada mais para medir a minha existência para além de uma caixa cheia de sonhos frustrados.
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